Um
hino à caridade conjugal (2)
(Peter Nadas - Eq. 5A)
Na primeira parte destas considerações, tentamos
aprofundar e conhecer melhor o pensamento do Papa Francisco quando ele analisa,
no quarto capítulo da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, o Hino à Caridade
do apóstolo Paulo aplicando-o à vida conjugal e familiar.
Continuando essa análise, o Papa para na expressão “[o
amor] não é interesseiro”. Das várias
traduções desse texto, tira-se a conclusão de que no verdadeiro amor, aquele
que ama verdadeiramente não coloca em primeiro lugar aquilo que é seu, aquilo
que é de seu interesse. Pode-se argumentar que essa visão se contrapõe ao
grande mandamento de Deus, amar ao próximo como a si mesmo, onde parece que o
paradigma do amor é o amor a si mesmo. Existem algumas interpretações
psicológicas, segundo as quais, se alguém é incapaz de amar a si mesmo, como
será capaz de amar o outro? Mas segundo santo Tomás de Aquino, é “mais próprio
do amor querer amar do que querer ser amado”. Ele cita o exemplo das mães “que
são as que mais amam, procuram mais amar do que ser amadas”[1].
A cada momento da vida, somos levados a fazer
escolhas. Desde o momento em que o despertador toca e eu decido levantar ou
continuar a dormir, estou tomando decisões. Na vida conjugal, praticamente
todas as escolhas que fazemos estão ligadas à nossa condição de pessoas
casadas. Em situações idênticas, as decisões de um solteiro poderão ser bem
diferentes de uma pessoa casada. A busca da felicidade do outro poderá ser
determinante da minha própria realização, da minha própria felicidade. De certa
forma, assim, a minha felicidade está “embutida” na felicidade do outro.
Poderei não “gostar” do que estou fazendo – deixando minhas coisas arrumadas ou
cozinhando – mas me sentirei feliz porque sei que o outro ou a outra ficará
mais feliz.
O Papa, levando essas escolhas até as últimas
consequências nos lembra que “o amor maior” pode levar a “dar a vida pelo
outro”. Não se trata tão somente de não ser “interesseiro”, mas de ser capaz de
se desprender daquilo que seria de meu interesse particular. Quantas e quantas
uniões matrimoniais se desfazem, hoje, pela falta deste real desprendimento?
São Paulo continua, dizendo que o amor “não se encoleriza“. Francisco interpreta
essa atitude como sendo a capacidade do amor de não se deixar levar por “uma
violência interna”. E acrescenta: “A indignação é saudável, quando nos leva a
reagir perante uma grave injustiça; mas é prejudicial, quando tende a impregnar
todas as nossas atitudes para com os outros”. São atitudes que provocam uma situação
irrespirável na família. E o Papa, lembrando Efésios 4, 26 – “Não se ponha o
sol sobre vossa ira” – sugere: “Nunca se deve terminar o dia sem fazer as pazes
na família”. E quando São Paulo diz,
ao citar a qualidade seguinte, que o amor “não leva em conta o mal sofrido”,
que, em outras palavras, não fica ressentido, ele está falando do perdão, do
amor que sabe perdoar.
Se agíssemos como Jesus
que, crucificado, compreende a fraqueza alheia e pede: “Pai, perdoa-lhes! Eles
não sabem o que fazem”, o perdão seria o instrumento para fortalecer nosso amor
conjugal. Infelizmente, em muitos lares, os ressentimentos vão crescendo pela
falta desse perdão e “qualquer erro ou queda do cônjuge pode danificar o
vínculo de amor e a estabilidade familiar”.
A verdadeira capacidade
de perdoar começa por saber perdoar-se a si mesmo. E “isto pressupõe a
experiência de ser perdoados por Deus, justificados gratuitamente e não por
nossos méritos”. É a aceitação desse amor incondicional de Deus que nos permite
amar e perdoar sem limites, mesmo que os outros “tenham sido injustos conosco”.
Sem essa condição, a família poderá tornar-se “um espaço de permanente tensão
ou de castigo mútuo”.
Será que em nosso lar, em
nosso casal, conseguimos viver o amor proposto por São Paulo; será que tentamos
compreendê-lo como o Papa nos indica? Será que nossos diálogos conjugais têm a
coragem de enfrentar esse questionamento?
Continuaremos a examinar
o nosso amor conjugal frente ao Hino à Caridade em próximos capítulos.
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